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Ter, 02 de Dezembro de 2008 08:55

400 anos do cavaleiro sonhador

 

Há 400 anos, Miguel de Cervantes publicava a primeira parte de Dom Quixote, livro que marcou a história da literatura. Críticos e estudiosos retomam a efeméride para discutir e pensar as marcas do romance paradigmático, carregado de intensas ironias e paródias. Sucesso de público e de crítica desde o momento do lançamento, Dom Quixote já nasce clássico, e o senhor Cervantes sabia muito bem disso

 

"Na riqueza dessa vida e na descrição dessa riqueza, o romance anuncia a profunda perplexidade de quem vive. O primeiro grande livro do gênero, Dom Quixote, mostra como a grandeza da alma, a coragem e a generosidade de um dos mais nobres heróis da literatura são totalmente refratárias ao conselho e não contêm a menor centelha de sabedoria"

 

Walter Benjamin

 

filosofo alemão, que cometeu suicídio durante a 2ª Guerra Mundial

 

Clássico é clássico e vice-versa. Disse certa vez um jogador de futebol. A assertiva, que gerou comentários maldosos e de escrachos, cabe perfeitamente para o romance “Dom Quixote de La Mancha”, de Miguel de Cervantes. Por qualquer perspectiva a qual alguém ouse se enveredar na análise das aventuras quixotescas, chega-se a conclusão: trata-se, sem dúvida, de um clássico da literatura mundial.

 

Mesmo depois de tantos anos, o legado de fãs continua unânime à obra. Em maio do ano passado, 50 dos maiores escritores do mundo elegeram-no como o melhor romance de todos os tempos. O crítico literário Marcelo Backes acredita que o romance tenha transformado os monólogos antigos dos viajantes solitários nos diálogos modernos, mais conhecidos atualmente. O estadunidense Harold Bloom coloca o autor ao lado de Dante Alighieri e Shakespeare.

 

Os elogios não são para menos. Dom Quixote representa, na história da literatura ocidental, a primeira obra eminentemente popular a atingir reconhecimento pela qualidade literária. Os elementos pitorescos e da paródia nele encontrado influenciam, até hoje, outros escritores. No Brasil, beberam da fonte nomes como Lima Barreto, Ariano Suassuna e até mesmo nosso maior escritor, Machado de Assis. A lista não pára por aí. Monteiro Lobato, fã assumido da obra, ousou escrever a versão infantil da obra, sociabilizando para diversas crianças as aventuras desse anti-herói.

 

Romance inovador

 

O livro de Cervantes, na verdade, trata-se de um meta-romance - fala de si próprio. Alguns personagens, na segunda parte, publicada em 1615, sabem que são personagens e discutem os erros e problemas encontrados ao longo da história. Exemplos de meta-romance podem ser facilmente encontrados nas obras de Ítalo Calvino e Rubem Fonseca.

 

Há outras inovações no livro, principalmente pelo aspecto simbólico da personagem ridícula, um inadaptado ao mundo. O autor mistura prosa e poesia, ideal e realidade, agregando aspectos cômicos que causaram uma revolução nas formas de narrativa, principalmente por satirizar as novelas de cavalaria, através dos termos e jargões do próprio gênero.

 

Inovações a parte, o livro é recheado de diversão. Logo no prólogo, Cervantes se apresenta como padrasto dos escritos encontrados. O verdadeiro escritor seria um tal de Cide Hamete Benengeli. Essas técnicas, que já na época não foram totalmente inovadoras, encontram-se, volta e meia, na literatura contemporânea.

 

Para o professor de espanhol Paulo Henrique, Quixote continua bastante atual. Os conflitos internos do ser humano ocidental continuam representados nas aventuras do cavaleiro. Sonho e realidade se confundem, amor e aventuras sempre se apresentam como idealizados. “Os leitores de Quixote, daqui há mil anos, encontrarão mais elementos que se identifiquem com a obra”, acredita o professor.

 

Dada a atualidade do romance, a data não poderia passar em branco. Este ano, no mundo inteiro, lembra-se deste sonhador. O governo espanhol investe, ao longo de 2005, cerca de 40 milhões de euros. Na Espanha, foi criada uma rota turística que segue os passos de Quixote na região de La Mancha. A Real Academia Espanhola patrocinou uma edição do romance com um polêmico prefácio, feito pelo escritor peruano Mario Vargas Lhosa.

 

No Brasil, celebra-se também. No carnaval, a escola de samba Unidos da Tijuca levou para a Marquês de Sapucaí, o tema. No Ceará, criou-se, no começo do ano, uma comissão para comemorar a data, numa iniciativa do Departamento de Literatura e de Letras Estrangeiras da UFC que conta também com a parceria do departamento de Letras da UECE, da Secult, do Centro Dragão do Mar e de outras instituições.

 

A comissão, segundo a professora de Literatura da UFC, Fernanda Coutinho, pretende realizar um grande evento em novembro, onde haverá exposições, conferências e muitos debates. Para a professora, o livro de Cervantes, por ser um clássico, tem a capacidade especial de não se esgotar no tempo em que foi escrito. “Ele traz questões universais e representa as matrizes das sensibilidades do pensamento humano. Por isso, o leitor do século XXI pode dialogar com os leitores do século XVI”, explica. (T.C.)

 

Tiago Coutinho

 

especial para o Caderno 3