Alberto Santos Dumont PDF Imprimir
Ter, 02 de Dezembro de 2008 09:15

Pioneiro da aviação, 1873-1932

 

SOFRO DE UMA DOENÇA CHAMADA "AERITE" QUANDO TUDO ACONTECEU...

 

1873: Em Cabangu, Minas Gerais, em 20 de Julho, nasce Alberto Santos-Dumont, neto do joalheiro francês François Dumont que viera em meados do século para o Brasil. - 1891: Henrique Dumont, pai de Alberto, vai com a família para Paris. -

 

1897: Santos-Dumont encomenda a construção de um aeróstato no qual, pela primeira vez, consegue elevar-se nos ares. - 1898: Santos-Dumont faz dezenas de ascensões em balão. - 1899: Alberto constrói o Santos-Dumont n.º 4. - 1901: Santos-Dumont contorna a Torre Eiffel, conquistando o prémio instituído para quem cometesse a proeza pela primeira vez. - 1904: Publica o seu livro Dans l'air. - 1906: Em 23 de Outubro, sobe no seu aeroplano 14-Bis. - 1909: Santos-Dumont atinge num aeroplano os 77 km por hora. - 1910: Devido a doença, o aviador brasileiro dá a sua carreira de pioneiro da aviação como encerrada. - 1918: Publica o livro O Que Eu Vi e o Que Nós Vemos. - 1932: Morre na cidade de Guarujá.

 

URUBU VOA? HOMEM VOA?

 

"O homem há-de voar" grita o menino Alberto Santos-Dumont. Entretanto, o que está a acontecer no resto do mundo? Consulta a Tábua Cronológica.

 

Nas tardes quentes da fazenda do engenheiro Dumont, em Ribeirão Preto, São Paulo, os meninos brincam. Estamos no princípio dos anos oitenta do século XIX. Na Rússia, o czar Alexandre II. foi assassinado, sucedendo-lhe Alexandre III, e Dostoievski escreve Os Irmãos Karamazov. O reino da Sérvia é proclamado e a Itália junta-se à Alemanha e à Áustria na Tríplice Aliança. Wagner compõe o Parsifal, morrendo dois anos depois. Marx morre também. A linotipia é inventada. No Brasil, reina o imperador Pedro II, há ainda feridas e soam os ecos da vitória sobre o Paraguai na última das guerras platinas, os mações e os republicanos conspiram, a abolição da escravatura divide a sociedade brasileira. Já em 1871 a Lei do Ventre Livre viera libertar os filhos de escravos nascidos a partir desse ano. O caminho-de-ferro vai abrindo novas comunicações, as indústrias surgem pelo país, há conflitos entre o Estado e a Igreja. Tudo isto são coisas que interessam muito ao engenheiro Dumont e aos amigos que aos serões se reúnem na fazenda e discutem estes temas com ar grave, cofiando bigodes, alisando barbas, bebendo um cordial e fumando olorosos charutos. Os jornais de São Paulo todos os dias renovam ou reacendem os assuntos.

 

Porém, nenhum destes importantes acontecimentos preocupa os meninos que brincam na varanda da fazenda. Estão a jogar ao jogo das prendas. Um deles pergunta: - Voa o gato? Todos gritam: - Não! - Voa o urubu? Levantam os braços: Voa! Voa o carcará? - Voa! - Voa o homem? Todos menos um gritam: - Não! Alberto, um dos filhos do engenheiro, levanta os braços e grita: Voa! Risadas dos irmãos e dos outros meninos. Alberto tem de pagar uma prenda. Ri-se com os outros, mas teima: - Um dia, o homem há-de voar!

 

O seu mestre Júlio Verne diz-lhe que sim, que o homem voa. Sua irmã Virgínia ensinou-o a ler. Frequenta agora o Colégio, mas todos os tempos livres são passados a devorar as páginas de Cinco Semanas em Balão, de Da Terra à Lua, de Vinte Mil Léguas Submarinas ou da Volta ao Mundo em Oitenta Dias. Phileas Fogg ou o Capitão Nemo são personagens com quem convive no seu dia-a-dia. Nas páginas de Verne, o homem voa já, até mesmo para fora do planeta. Alberto sabe que não faltará muito para que nos céus da realidade o homem voe também.

 

Na fazenda, Alberto observa as máquinas. As lavadeiras, o descascador, o separador, o ensacador onde o café faz o seu percurso desde a plantação até aos sacos em que seguirá nos vagões do caminho-de-ferro. Vendo as pesadas locomotivas a vapor, conclui que nunca será com máquinas assim que o homem poderá voar. À mente do jovem sonhador acorrem as lendas de Dédalo, Ícaro e Ariel, a história de Olivier de Malmesbury, o monge inglês que, no século XI, construiu um par de asas e com elas se lançou do alto de uma torre, quebrando as pernas, os desenhos de Leonardo da Vinci sobre as estrutura das asas dos pássaros, os músculos que as movem, a função das penas, a tentativa de Bartolomeu de Gusmão que, em 1709, se eleva a 200 pés de altura nos céus de Lisboa, perante a pasmada corte de D. João V, na sua Passarola, ou a «máquina de andar pelos ares», como também lhe chamava, as experiências dos irmãos Montgolfier, a morte de Pilâtre de Rozier ao tentar atravessar a Mancha em balão... Uma das suas brincadeiras favoritas é a de lançar papagaios e de correr, segurando a corda, fazendo-os voar. Nas noites de São João, ele e outros meninos constróem balões de papel. Quando os soltam, fica a vê-los perder-se no céu escuro, uma pequena e luminosa mancha colorida, que o ar quente da mecha faz subir. Em 1888, ano em que a escravatura é abolida no Brasil, visita com a família São Paulo. Numa feira vê, deslumbrado, pela primeira vez um homem voar: um acrobata estrangeiro sobe num balão e lança-se depois em pára-quedas.

 

SUBITAMENTE, PARIS

 

1891. Ao percorrer a fazenda, o engenheiro Dumont dá uma terrível queda do cavalo. Fica com as pernas paralisadas. Vende a propriedade e volta a Paris, à cidade de seu pai e onde estudara e se formara na École Centrale des Arts et Métiers. Alberto vai fazer dezoito anos e Paris deslumbra-o. Com o pai vai visitar a Exposição do Palácio das Indústrias. É aí que, pela primeira vez, vê um motor de combustão interna. Irá dizer mais tarde: «Qual não foi o meu espanto quando vi pela primeira vez um motor a petróleo, da força de um cavalo, muito compacto e leve, em comparação aos que eu conhecia... funcionando! Parei diante dele, como que pregado pelo destino». Maravilhas como aquela andam já pelas ruas, dentro dos raros automóveis que circulam. Alberto compra um Peugeot. Regressa ao Brasil e o seu carro, percorrendo São Paulo, é um dos primeiros que chegam ao Brasil. Quando passeia nele, o fumo, o ruído desengonçado do motor, o cheiro do combustível queimado, as buzinadelas, causam sensação - tudo pára para ver passar o automóvel. Porém para o jovem Alberto o automóvel é mais do que uma frívola excentricidade de menino rico. Entende que naquele motor, bem mais leve que o das locomotivas a vapor, poderá estar a solução para o problema que lhe ocupa a mente: a criação de uma máquina que permita finalmente ao homem voar. Pede ao pai que o deixe regressar a França. O velho engenheiro não só anui, como resolve doar dois terços da sua fortuna aos filhos. Vai ainda mais longe: concede a emancipação jurídica a Alberto antes mesmo de ele completar os dezoito anos. Diz-lhe: «- Hoje dei-lhe a liberdade. Aqui está mais este capital. Tenho ainda alguns anos de vida: quero ver como você se porta». E faz-lhe as naturais recomendações de prudência, dando-lhe conselhos sobre a maneira de economizar a fortuna que agora recebe. Não vá ele em algumas horas gastar o rendimento que, bem governado, poderá permitir-lhe viver durante um ano.

 

Alberto promete ser prudente e poupado.

 

UMA DOENÇA CHAMADA AERITE

 

Quando chega a Paris, com a ajuda dos primos franceses, procura um professor. Encontra-o na pessoa do Sr. Garcia, um «respeitável preceptor de origem espanhola que sabia tudo». Com ele, Alberto estuda durante diversos anos. Nos livros encontra o nome dos franceses que se ocupam de temas aeronáuticos. Recorrendo ao Anuário Bottin, vai-os localizando. Alguns desinteressaram-se da matéria e outros estão assustados com os custos das investigações ou com os perigos das ascensões. Um deles, porém, mantém-se em actividade e pede-lhe 1000 francos para o levar numa subida, com a condição de Dumont se responsabilizar pelos estragos que o balão provoque ao pousar em terra. É uma condição perigosa, pois Alberto sabe que o balonista derrubou já a chaminé de uma fábrica e, de outra vez, desceu em cima da casa de um camponês, incendiando-a quando o gás do balão entrou em contacto com a chaminé. Lembra-se das recomendações do pai sobre sobriedade e economia. Não faz a ascensão. Sente-se desanimado.

 

Nos anos seguintes estuda e viaja com frequência. Está atento às novidades e é no Rio de Janeiro que recebe um livro onde o engenheiro Lachambre descreve um balão por si construído. Alberto volta a Paris e procura Lachambre. Este mostra-lhe um pequeno balão que concebeu e pede-lhe 250 francos pela ascensão. Garante-lhe que não há perigo e que o aeronauta, um sobrinho seu, é cuidadoso, pois subiu dezenas de vezes e nunca provocou estragos. Alberto sente-se novamente encorajado. Marca a subida para o dia seguinte.

 

«Fiquei estupefacto diante do panorama de Paris visto de grande altura; nos arredores, campos cobertos de neve... Era Inverno.»...«Durante toda a viagem acompanhei a viagem do piloto; compreendia perfeitamente a razão de tudo quanto ele fazia. Pareceu-me que nasci mesmo para a aeronáutica. Tudo se me apresentava muito simples e muito fácil; não senti nem vertigem, nem medo.» «E tinha subido!». Como ele diz, sofre de aerite, «doença» que nunca mais o deixará.

 

Vai agora dividir o seu tempo entre subidas em balão (em 1898 sobe mais de trinta vezes) e as corridas de automóvel em que participa. Substituiu já o seu velho Peugeot por um potente De Dion, o mais rápido da altura: chega a dar a velocidade de 30 km à hora. Encomenda um balão a Lechambre inteiramente desenhado por si: seis metros de diâmetro, invólucro em seda envernizada, capacidade para 113 metros cúbicos de gás, com 14 quilos de peso. A rede que nos balões convencionais chega a pesar 50 quilos, pesa neste menos de dois; a barquinha que, normalmente, pesa 20 quilos, pesa seis... É tão pequeno que cabe numa mala de viagem. Por aqui se vê que se trata de um balão revolucionário. Dumont baptiza-o: Brasil.

 

O BRASIL NOS CÉUS DE PARIS

 

Em 4 de Julho de 1898 o balãozinho eleva-se nos ares e, passados alguns meses, atravessa Paris, leve e transparente como uma bola de sabão. Os parisienses assistem surpreendidos e maravilhados ao espectáculo. Santos-Dumont torna-se famoso, tema de todas as conversas. Aquele brasileiro pequeno e franzino, com o seu chapeirão desabado, voa sobre o céu de Paris. O seu chapéu, a sua maneira de vestir, transformam-se em moda e os prémios que ele institui atraem multidões.

 

É agora altura de passar à fase seguinte: vai combinar um balão com um motor de explosão. Nasce assim o Santos-Dumont n.º 1. Em Setembro de 1898 leva o seu balão para o Jardin de l'Acclimatation. O balão eleva-se, mas vai colidir com as árvores do jardim. O inventor não desanima e dias depois tenta novamente. Desta vez, o balão sobe e tudo corre bem, menos a descida: o invólucro está em perigo de ser destruído. A «guide rope» roça já o solo e lembrando-se das brincadeiras com os amigos em Ribeirão Preto, Alberto grita para uns meninos que assistem para que puxem a corda como se quisessem fazer erguer um papagaio. O balão evita no último momento as árvores e vem pousar suavemente. Em 1900, subindo numa praça de Nice, apercebe-se de que as correntes aéreas o estão a arrastar na direcção do mar; solta lastro, tentando ganhar altura e apanhar outra corrente, e larga gás do invólucro para descer. Porém, o balão perde volume, mas não desce, pois tinha ido parar ao centro de uma forte corrente ascendente. Sobe a mais de 3000 metros e a corrente dissipa-se, mas entra numa área de tempestade. As árvores parecem correr vertiginosamente e a barquinha bate nos ramos. Por fim, a corda prende-se numa árvore e o balão cai. Projectado para o solo, Alberto desmaia. Outra vez ainda, no norte de França, sobe ao entardecer e depressa se vê perdido no meio de uma tempestade. A noite caiu já e a escuridão só é interrompida pelos relâmpagos. Se algum deles atinge o balão é o fim. Navega toda a noite na escuridão, transportado a grande velocidade pela força do vento. De madrugada, a tempestade amaina e ele pode pousar. Está na Bélgica.

 

FINALMENTE, O SUCESSO

 

As aventuras e desventuras do «brasileiro voador» tornam-no numa figura conhecida de Paris. Mas ele não se deixa embriagar pelo sucesso, e vai aperfeiçoando as suas máquinas. O Santos-Dumont n.º 2 é maior, tem a forma de um charuto e dispõe de um ventilador de alumínio que mantém inalterável a forma do invólucro. Acaba destruído por ter chocado contra árvores. O n.º 3 tem uma forma cilíndrica e nele o hidrogénio é substituído por gás de iluminação. É com ele que Santos-Dumont realiza aquela que iria descrever como a sua «mais feliz ascensão». Partindo de Vaugirard rumo ao Campo de Marte consegue um controlo absoluto da aeronave, subindo, descendo, descrevendo curvas... Sente que a vitória está próxima. O Santos-Dumont n.º 4 nasce em Saint-Cloud, no hangar e oficina que Alberto ali construíra. Tem um selim e um guiador de bicicleta. O inventor faz nele diversas ascensões em 1900.

 

UM GRANDE DESAFIO

 

Entretanto, constituíra-se um Aeroclube em Paris e, numa das suas reuniões, o Sr. Deutsch de la Meurthe, institui um prémio de 100 000 francos a quem for capaz de, dentro dos cinco anos seguintes, partir de Saint-Cloud, dar uma volta completa à Torre Eiffell e voltar ao ponto de partida em menos de 30 minutos. A todos parece impossível tal façanha. A todos não. A quase todos: Santos-Dumont considera a partir de então um ponto de honra ganhar aquele prémio. Porém, os contratempos sucedem-se. Alberto constrói o n.º 4, mas este esmaga-se contra as árvores. Outro acidente destrói o n.º 5. Mas Alberto não desanima e começa a construir o n.º 6. E, a 12 de Outubro de 1901 sobe no n.º 6, dá uma volta completa à Torre Eiffel e regressa a Saint-Cloud. Demorou 31 minutos, mais um do que o regulamento do prémio estabelece como limite. Ovações da multidão e hesitações do júri. Finalmente, o prémio é-lhe entregue pois, embora ainda no ar, atravessou a linha de chegada dentro do tempo. Santos-Dumont reparte o valor do prémio com técnicos e auxiliares e o que resta é distribuído por operários desempregados.

 

O êxito internacional chega por fim. É homenageado em Londres num banquete do Royal Aero Club. O príncipe do Mónaco convida-o a construir um hangar e uma oficina no principado. Eugénia de Montijo, a viúva de Napoleão III visita-o. O governo francês contrata-o para construir o primeiro aeródromo do mundo em Neuillly. O inventor concebe o Santos-Dumont n.º 7 e, a seguir, o n.º 9 (detesta o número oito e, por isso, salta-o). O n.º 9, a Balladeuse, fica famoso. É o meio de transporte pessoal de Santos-Dumont - nele, desloca-se em Paris, visita amigos, vai a almoços e a reuniões... Torna-se familiar nos céus de Paris. Uma vez, os parisienses vêem, preocupados, a aeronave perder altura. Será que vai estatelar-se? Não. Pousa suavemente na rua. Alberto sai, impecavelmente vestido, entra num bar e pede um café. E os modelos sucedem-se, cada vez mais perfeitos. Em 1905 nasce o n.º 14. E, logo após, o célebre 14-Bis. O 14-Bis é já um aeroplano, dotado de um motor a gasolina. A princípio eleva-se rebocado pelo n.º 14 e daí o seu nome. Depois, Dumont atrela-o a um burro que, fustigado, corre pela pista, até que o aeroplano sobe. Mais uma vez, recorre à sua experiência infantil dos papagaios de papel. Em 1906, ainda no 14-Bis, ganha os prémios do Aeroclube e Archdeacon. É considerado o pai da aviação, embora outros, tais como os americanos irmãos Wright, reivindiquem também essa glória.

 

A fase dos balões passou. Agora já só constrói aviões. Depois do pioneiro 14-Bis, o Demoiselle, leve e elegante, encanta os parisienses com as suas acrobacias e atinge a «inconcebível» velocidade 77 km horários. O exemplo de Santos-Dumont frutifica: em 1909, Blériot atravessa o canal da mancha. Em todos os países civilizados se constróem fábricas, hangares pistas. Estabelecem-se linhas postais e de passageiros. E os militares não dormem...

 

A MORTE PASSA A TER ASAS

 

Quando, em 1914, se desencadeia a Primeira Grande Guerra uma nova panóplia de armas vai surgindo: submarinos, gases tóxicos, carros blindados, balas explosivas e aviões. As potências deitam mão de todos os meios de destruição que têm ao alcance das mentes perversas dos dirigentes políticos e militares. Invenções concebidas para fins pacíficos, são convertidas em máquinas de morte. Quando a guerra acaba, há dez milhões de soldados mortos, cidades destruídas, milhões de civis mortos ou sem lar.

 

Entretanto, Santos-Dumont, devido a doença, é obrigado, desde 1910, a abdicar dos seus voos sem, no entanto, se desligar da aviação. Assiste horrorizado à transformação do seu invento em mais um recurso do Apocalipse. Lança um apelo às potências beligerantes para que seja proibido o armamento aéreo. Sem qualquer resultado. Sempre que tem conhecimento de um bombardeamento aéreo, de um combate entre aviões ou mesmo de um acidente, cai em depressão profunda. A sua ideia não era esta...

 

Compra então um terreno em Petrópolis, perto do Rio, e aí constrói uma casa provida de diversas comodidades que antecipam alguns dos electrodomésticos actuais. Chama-lhe Encantada. Aí escreve um livro, O Que Eu Vi, o Que Nós Veremos. Procura dar uma ajuda ao governo brasileiro, dando conselhos sobre a construção de aeroportos, a formação de pilotos e a construção de aviões.

 

 

 

Em 1922 volta a Paris. É convidado para presidir ao banquete de homenagem a Charles Lindbergh que atravessou o Atlântico Norte, mas a doença impede-o. Em 1928 volta de novo ao Brasil. Continuam as homenagens: a Legião de Honra francesa, um lugar na Academia Brasileira de Letras (que não ocupa). Indiferente a tudo, Santos-Dumont ignora honrarias e nem sequer regista as patentes das suas múltiplas invenções. A depressão ataca-o cada vez mais. Sente-se responsável por todos os acidentes aéreos, pelo aproveitamento militar do seu esforço científico, por tudo o que de mau a aviação significa. Com menos de sessenta anos é um velho doente e taciturno.

 

O ÚLTIMO PAPAGAIO

 

Desde 1930, seguindo o exemplo da Europa, onde na Alemanha, em Itália, em Portugal, regimes de extrema direita vão tomando o poder, o Brasil é também governado por uma ditadura, o chamado «Estado Novo» de Getúlio Vargas. Em 1931, Santos-Dumont, cada vez mais doente física e psiquicamente, regressa de França e instala-se próximo de São Paulo, rodeado de cuidados pelos familiares. Parece melhorar, faz pequenos passeios, frequenta a Hípica Paulista e o Clube Atlético Paulistano, visita a redacção de O Estado Paulista.

 

Em 9 de Julho, desencadeia-se um movimento constitucionalista em São Paulo. Diversas forças políticas procuram restabelecer a normalidade democrática sufocada pela ditadura getulista. Santos-Dumont entusiasma-se. Está na praia do Guarujá a convalescer. Redige um manifesto aos mineiros incitando-os a porem-se ao lado dos paulistas. Mas o governo de Getúlio Vargas vai reprimir brutalmente o movimento. Na manhã de 23 Alberto veio até à praia e ajuda um menino a elevar o seu colorido papagaio de papel. Corrigido o peso da cauda, endireitada uma cana da estrutura, o papagaio sobe orgulhoso nos ares. O menino exulta e bate palmas. Dumont sorri ternamente e olha os céus. Nessa altura ouve-se um ruído crescente e na linha de horizonte cresce uma esquadrilha aérea. São aviões federais que vão bombardear um cruzador paulista ancorado em Santos. Brasileiros matam brasileiros servindo-se de uma máquina que ele inventou e foi aperfeiçoando, passo a passo, com tanto amor e ilusão...

 

Vai para casa e suicida-se nessa noite.

Carlos Loures